Ariel Pires de Almeida

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CONCLUINDO

In Uncategorized on 12/07/2010 at 20:55

Esta breve e incompleta explanação não chega a ser, entretanto, inconclusa. Mérito de Cohen, diretor de uma narrativa coerente e congruente de uma realidade histórica apocalíptica. A base de nossa conclusão pode ser frisada por dois focos de análise. O primeiro é acadêmico, em particular historiográfico. Questão de método: como compreender a fundamentação e realização do Nacional Socialismo. O segundo, de uma ordem mais política, social e, sobretudo, contemporânea é a possibilidade – real ou não – do reaparecimento deste fenômeno que cada vez mais se distancia do que vivemos. É de se ressaltar que a geração que hoje vive entre os 20 e 40 anos será a última a conhecer a que assistiu aos horrores da Guerra Mundial. Daí a importância de frisar a atualidade do processo. Essa – a minha geração – não tem dificudades, por mais que nem todos realmente, de esquecer o que nossos avós e bisavós sobreviveram. Será que nossos filhos terão a mesma sensibilidade, estando distantes e sem contato com o passado relembrado? Seria essa a relevância da literatura de memórias que se solidificou com os sobreviventes do Holocausto? Esse é o limite positivo da imortalidade da palavra escrita?

No caso, provavelmente.

Pensemos nas conclusões…primeiro a acadêmica. Arquitetura da destruição segue uma lógica narrativa e uma estrutura conceitual que se centra numa certa História da Estética da Alemanha nazista. Levando em conta que sua ideologia partia de uma premissa estética – a beleza como ideal de progresso e esta embasada na saúde não miscigenada e, portanto, pura – parece-me bastante coerente tê-la como referência de análise. Muitos desenvolveram uma ideia de um estudo político-econômico ou social acerca do Nacional Socialismo. Entretanto, será que foi de fato o autoritarismo, o controle estatal da economia ou o status beligerante que resultou no maior e mais organizado sistema de massacre? Desses temos muitos casos e, por mais que também tenhamos de genocídios, nenhum com a mesma proporção que o perpetrado pelo regime nazista. Nem com armênios, bôsnios ou tutsis. Alguns se assemelham – especialmente os primeiros -, mas as diferenças são tais latantes quais as semelhanças.

A estética da pureza, idealizada por Hitler na figura espartana, recria as funções sociais de cada classe. Dá um novo sentido à medicina, um quase novo objetivo à arquitetura e urbanismo e um estilo radical à política, economia e guerra. Se a “guerra total” é o novo conceito introduzido pela Revolução Francesa e consolidado ao longo da unificação alemã, com Hitler, atinge seu extremo quando a população civil não só é vitimizada e posta para trabalhar para a indústria de guerra como também é perseguida e chacinada pelo monstro que ajudou a criar.

Vivemos em um mundo da estética, não tão radical, mas tão institucional quanto o ideal nazista. Nossa estética é a saúde, a magreza gostosa. O neo classicismo é atualmente o neo futurismo espelhado e o composto de outdoors. A propaganda é a entidade constante e voraz da infância à velhice. O urbanismo e a arquitetura revitalizam velhos centros decadentes. Somos de uma sociedade de artistas frutrados, se não pela negação de entrada em uma Academia, pela falta de qualidade e investimento nesta.

A nação é a maior e mais recente lembrança de um passado consagrado e ela só perdeu importância nos últimos trinta anos. Se parece recente a ideia de grande arte de Hitler, baseada em Bismarck, o que poderíamos pensar de Andy Warhol, George Lucas ou Steven Spielberg – recentemente rechaçado injustamente pela comunidade extremista judaica pelo seu filme Munique que retrata a vingança do estado de Golda Meir e Moshe Dayan contra o ataque nas Olimpíadas de 1972, com resulado de 11 mortes de atletas israelenses. Talvez o embasamento nazista seja mais tradicional e antigo que nosso fraco e distorcido – talvez esquizofrênico – ideal estético e cultural, baseado num futurismo chulo e numa coerência contraditória. Se há algo que não podemos questionar sobre o Holocausto, é como aconteceu em uma sociedade tão avançada quanto a alemã. É exatamente isso que o criou.

Se pensarmos a partir dessas premissas, veremos quanto é possível a reincidência do maior e mais bem planejado massacre étnico da história.

Bibliogafia

 

Wistnem, R. – Hitler e o Holocausto. Breve História. Grandes Temas. Ed. Circulo Leitores.

Adorno, Theodor – Educação apó Auschwitz in Sociologia. São Paulo: Ática, 1986.

Filmografia

 

Arquitetura da destruição, Peter Cohen: Suécia, 1992

­______________________ Alain Resnais:

ARTE

In Uncategorized on 12/07/2010 at 20:53

Acho que é o momento de pensar a grande obra dessa majestosa construção hitlerista. Analisar o nazismo é procurar suas falhas, os desvios que encaminharam aos erros. Os erros que terminaram em mortes. Entretanto, o já exposto revela uma única constatação feita por quase todos burocratas assassinos discípulos de Himmler: não havia erro. Tudo parecia conforme o previsto com exceção dos rumos da guerra. Quem imaginaria que a luta na Rússia terminaria em fracasso em meio ao inverno? Para o Fuhrer, as batalhas durariam no máximo quatro meses. Não estavam prontos para o que estava por vir. Talvez a capacidade intelectual de Hitler de fato se limitasse a meados do XIX, perdendo de vista os acenos napoleônicos para a óbvia derrota em solo moscovita.

            Mas ele estava com pressa. Queria acabar com a guerra logo para se concentrar em sua verdadeira vocação, a arte. Junto desta, seu complemento engrandecido, a arquitetura. Analisando de forma brusca porém aprofundada, é possível constatar que o personagem principal da elaborada trama nacional socialista é justamente o menos lembrado pela História. A maquete do museu de Linz, cidade natal de Hitler, acompanha a narrativa de Peter Cohen de forma singular. A primeira metade do documentário é a preparação para a apresentação dessa heroína. Representa o máximo da potencialidade criadora da mente do Fuhrer, seu maior sonho, sua grande obra.

            A ideia era transformar a cidade austríaca no principal centro de cultura europeu com acervo monumental escolhido pessoalmente por Hitler. Tanto as anexações de territórios quanto a perseguição a judeus acabam tendo esse mesmo viés motivacional. Nas Exibições da Grande Arte Alemã, Hitler comprava centenas de obras de valor artístico deveras duvidoso. Entretanto, a invasão da França, Bélgica, Áustria possibilitou a incorporação dos acervos de judeus confiscados pela SS. A Áustria deu o gosto especial de possibilitar a construção do tal museu.

            A questão é que a maquete também será o último personagem concluído por Cohen. Ao lado dela, o grande plano urbanístico de reconstrução da Grande Berlim. Diz-se que Hitler refletiu muito se destruiria Paris quando de sua conquista. Ao pensar, decidiu que a capital do Reich seria muito mais vistosa quando pronta – nos anos 50 – que a pequena capital francesa, não sendo necessário tal ato desproporcional.

            A mesma pena que desenha projetos de avenidas, palácios, centros de comícios e igrejas partidárias, esboça guetos, campos de concentração, extermínio e trabalho forçado. O claro e o escuro se fundem nesse cinza negro que é o desenrolar da história nazista. O potencial criador e destruidor se completam na criação do novo homem. E se chocam também.

            Dentre os personagens dessa história temos as vítimas em maior número. De difícil cálculo é sua soma, mas tende-se a subtraí-la nas cifras das dezenas de milhões. A dificuldade reside no fato que os agentes passivos do Nacional Socialismo serem dois: o Corpo e o resto vitimizado. Entretanto, a fronteira hierárquica entre ambos era de fácil transposição. Caso um soldado fosse ferido e deformado, passava ao status de degenerado.

A conclusão da derrota fora similar àquela praticada pelos antigos samurais, o harakiri modernizado com pistolas. A louvação da morte como caminho para beleza só poderia resultar nisso caso o triunfo não prolongasse. Se a Alemanha fadará à feiúra e doença, antes que ela se auto aniquile por todo. E assim fizeram os altos comandos partidários.

 

MORTE

O filme aborda o nazismo a partir de duas premissas. Uma linguística, relacionada à estética, quando compreendemos a lógica propagandística do extermínio. A segunda é funcional e burocrática, isso é, a análise dos agentes, meio passivos meio ativos, do processo genocida. Os personagens são: o Fuhrer, como principal coadjuvante, o bandido; os arquitetos e médicos, os oportunistas ao lado do grande chefe; os mocinhos que mal aparecem, as forças aliadas e os figurantes, vítimas e agentes do sistema aniquilatório. O centro de tudo, o museu de Linz, a obra máxima do potencial Nacional Socialista em busca de exprimir a vitória de seu modo de vida.

            Será que já vimos essa ópera antes? Ou depois?

            A segunda guerra mundial nos legou dois tipos de Holocausto: o nuclear americano e o alemão. Qual é a marca de cada um? Qual permanece vivo até hoje. Se refletirmos, veremos que o Holocausto nazista proporcionou uma série de medidas e análises para a não repetição do grotesco episódio. Para o primeiro, porém, o legado foi o medo da sobrevida do que possivelmente se repetirá. É difícil imaginarmos qualquer governo hoje em pé que repetiria os atos do Nacional Socialismo. Mas o regime norte americano é o mesmo. Os partidos iguais. A possibilidade, futura.

ARQUITETURA DA MEDICINA: a estética da pureza

In Uncategorized on 12/07/2010 at 20:52

“para se entender o Nazismo tem-se que conhecer Richard Wagner”

Adolf Hitler

ESTÉTICA

A estrutura do filme, Arquitetura da destruição, segue uma lógica cronológica pautada pelas Exposições de Arte produzidas por Hitler ao longo do Reich. A primeira é introdutória e desligada cronologicamente das outras, a de 1939, seis semanas do início da Guerra. Nesta é colocada a importância do artista no Terceiro Reich, por este ser de um ideal contrário ao racionalismo e, por isso, mais viavelmente expressado na arte. Bastante comum é a presença de artistas frustrados nos altos comandos do Partido como Goebbels, Rosemberg e o próprio Hitler que fora um pintor recusado na Academia de Viena com pretenções de arquiteto. Seus fascínios eram três: Linz, sua cidade natal; a Antiguidade e Wagner, o artista-político tal qual ele. E havia herdado suas noções de arte para a nova civilização, assim como seu anti-semitismo, culto ao legado nórdico e o mito do sangue puro.

Cada Comício nazista era uma obra de arte, verdadeira ópera. Cada Exibição é uma propaganda e uma justificação para as pretenções e ações desumanas do Nacional Socialismo. E cada Propaganda é fruto do gênio artístico de Hitler, desde a insígnia do Partido, o estandarte, à organização dos eventos e seus espaços. É o cenógrafo, diretor e ator principal de sua ópera. O coadjuvante é apenas um, o “Corpo Alemão”, puro ariano.

PUREZA

A partir do decorrer lógico e metódico da questão da arte degenerada – desenvolvida na Exposição de 33 que é acompanhada de uma exposição de artistas modernistas que estariam fadados à fogueira e ao esquecimento -, chega-se a um ponto único: a comparação, que aparenta inevitável, dos quadros modernistas com figuras deformadas da humanidade. Nesse sentido, desloca-se a preocupação de estigmatização da arte bolchevique-judaica para a aberta e justificada perseguição aos degenerados. Diz-se que, enquanto o puro trabalhador alemão vive em guetos ou favelas, são construídos verdadeiros palácios para internações do lixo humano. Palacetes mal notados pelos loucos infelizes. Depois de exibir sua amostra sobre a saúde da vida, a lógica nazista abre espaço para duas conclusões: a necessidade de exterminar as pestes que contaminam o Corpo alemão e a importância do médico para essa função. Em 14 de julho de 1933 é aprovada a esterilização dos doentes. Em 35, o extermínio, no primeiro teste para o que seriam as câmaras de gás. Apenas um médico é capacitado a abrir a válvula do Zicklon B, proporcionando uma morte limpa, higiênica e, portanto, humana. Enquanto isso, a propaganda nazista clama: CONFIE EM SEU MÉDICO!

Talvez caiba aqui uma breve digressão.

Hitler tinha verdadeiro fascínio pela antiguidade. Seu norte eram as civilizações ateniense, espartana e romana. A primeira por seu ideal estético – detalhe é que o Fuhrer proibiu o bombardeamento de Atenas. A segunda pela pureza e a terceira pelo caráter expansionista. Interessante é ressaltar o paradoxo que inclui essa estranha síntese. Afinal, é possível a pureza com a expansão? É possível um ideal de estética não miscigenada pelo domínio de outros povos? É possível conquistar o outro sem considerá-lo ao menos exótico ao invés de indigno para a vida?

Pensar essas questões é o mesmo que se questionar se o Holocausto fora fruto de barbarismos ou de extrema racionalidade. A ideia é predominantemente dialética.

Então, pensemos nessa discussão, por um momento.

O processo que desencadeou o extermínio foi longo e penoso. Em 1940, auge da expansão nazista na frente ocidental, os judeus ainda eram colocados em guetos ou campos de trabalho forçado. As mortes eram de velhos, crianças e inválidos. Quando, em 42, os norteamericanos entram na guerra e Hitler, ao mesmo tempo, embarca na fracassada aventura napoleônica russa, a “solução final” para a questão judaica finalmente esboça seu último e terrível desenvolvimento. Os campos de extermínio, dentre eles Auschwitz e Treblinka, revelam o conteúdo final da lógica nacional socialista. Se o fim último é a beleza e o meio único a pureza, a resposta definitiva só poderia ser o extermínio.

Os requintes cruéis e sádicos não são necessários de explanação. Basta ver outro grande filme, de Resnais, que ilustra brilhantemente esses pormenores. A questão é que jamais fora visto algo parecido. Uma máquina estatal burocrática de alta tecnologia à serviço do extermínio étnico.

Tem-se que pensar o que isso implica. Trens, horários, cartas, escritórios, gravatas, médicos e arquitetos. As fichas perfuradas desenvolvidas pela americana IBM serviram para catalogar de modo único a massa de judeus existente no império alemão. Um total de onze milhões. O conseguido: seis. O profissional encarregado, o médico. O local, longe dos centros urbanos, pois as experiências do T4 com doentes em 1933 revelaram certos problemas. A fumaça dos crematórios infestava Berlim e pelas ruas era possível notar fios de cabelo parcialmente queimados.

O campo de testes: a Polônia ocupada.

Levaram os judeus, portanto, em carga como animais. A viagem em si já era um matadouro. Chegando à noite, sem saber o que esperar e sufocados com o odor da morte, as ovelhas seguiam para o abate. Seus corpos eram aproveitados ao máximo para tecidos, sabonetes e experiências. A medicina alemã era a mais avançada. Desenvolveu-se uma técnica limpa e humana para o genocídio, a câmara de gás. Concluiam o processo de desumanização dos judeus fazendo com que os próprios trabalhassem como “carcereiros” de seus irmãos, catadores de corpos e cremadores.

Concomitante, os cinemas passavam propagandas do novo método de matar ratos e pestes: o gás. Alguma semelhança com a nossa maneira contemporânea de execução?

Talvez, para realmente salientarmos o caráter único do Holocausto, seria necessário compará-lo com tantos outros únicos e amendrontadores. Porém, poucos tão apocalípticos. O caso armênio de 1918 perpretado pelo decadente império turco possa ser o mais próximo pelo número e forma. A burocratização, os trens, horários, demografias, estatísticas se assemelham. O que diferencia são dois pontos centrais. Primeiro, a falta de um método científico de aniquilamento. Os armênios foram massacrados entusiasticamente por populações rurais e não por profissonais do colarinho branco. Segundo, o massacre turco foi por motivos geopoíticos, não ideológicos. As vítimas eram vistas como traidores à serviço czarista, infiéis e moradores de uma importante região estratégica.  Não há nada que se assemelha em termos de fins um e outro. Talvez de meios.